O fim da eternidade

Para quem gosta de ficção científica, O fim da eternidade de Isaac Asimov é uma boa pedida para refletir sobre as armadilhas do tempo. Publicado em 1955, ou seja, décadas antes dos filmes “O exterminador do futuro” e “De volta para o futuro”, o enredo antecipa lances consagrados por estes e outros sucessos de bilheteria.

Aliás, em minha modesta opinião, o livro vai muito além. 

Conheci o autor na adolescência, quando li “O colapso do universo”, obra de não-ficção para curiosos que, como eu, nada manjam de física, mas que gostam de viajar por estrelas de nêutrons, anãs brancas, gigantes vermelhas, buracos negros e demais fenômenos intergalácticos. 

De sua vasta obra, li recentemente a saga “Fundação”, que não me impressionou tanto quanto O fim da eternidade, cujo enredo gira, assim como o tempo, em círculos, facultando aos “eternos” (que não são imortais) manipular a realidade passada e futura a seu bel-prazer a partir de uma dimensão conhecida como “Eternidade”. 

Tudo corre perfeitamente bem até que Harlan (um eterno) se apaixona por Noys, a única mulher presente na trama. Graças a ela, Harlan começa a enxergar a “Eternidade, com grande clareza, como um antro de profundas psicoses, um fosso retorcido de motivações anormais, uma massa de vidas desesperadas brutalmente arrancadas de seu contexto.”

Viajar no tempo, modificar o futuro interferindo no passado, topar paradoxalmente com o próprio “eu” em viagens sucessivas ao mesmo ponto na “linha” temporal, criar a causa a partir do efeito, são alguns dos temas com os quais já nos acostumamos assistindo aos filmes aludidos e a vários outros. No entanto, a questão do tempo e da eternidade, tal com tratada por Asimov, ganha em profundidade à luz do enredo envolvente, que inevitavelmente remete a questões filosóficas que não são de hoje.

Pensando a respeito, Agostinho de Hipona (século IV) declara: 

“O que agora claramente transparece é que nem há tempos futuros nem pretéritos. É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras.” *

Para o filósofo cristão, o passado é memória e o futuro é esperança, restando como “real” apenas o presente. Estará ele certo? Obviamente depende do que consideramos “real”, mas na obra de ficção científica de Isaac Asimov a “realidade”, sendo elástica, pode ser manipulada, coisa que ele faz com mestria para que possamos viajar pelas linhas e entrelinhas do tempo.

Vale a pena!

* Agostinho, Santo. Confissões. Bragança Paulista: Ed. Universitária São Francisco, 2006. p. 284

Deixe um comentário